Elisabete Saleiro
MENONITAS, ÍNDIOS E CONFERÊNCIAS SECRETAS SOBRE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Estas são algumas memórias de uma visita ao Canadá, efetuada há cerca de 20 anos, percorrendo duas províncias – Ontário e Québec.
Iniciei esta visita com base em MISSISSAUGA, pequena cidade muito próxima de Toronto, que em tempos ancestrais foi território de Índios da tribo dos Mississaugas. Através de um Tratado assinado em 1840, esta tribo vendeu as suas terras ao Governo britânico e, a partir desta data, a vasta floresta foi desbastada e transformada ao longo dos anos em quintas, posteriormente habitadas por emigrantes de diversos países.
A primeira parte da viagem foi dedicada a visitar Toronto, nomeadamente a subida à CN Tower que proporciona aos seus visitantes uma vista privilegiada sobre esta grande cidade, a visita ao Museu Interativo da Ciência que proporciona experiências interessantes, um passeio no Lago Ontário, entre outros. Depois a imprescindível visita às Cataratas de Niágara.
Mas a primeira surpresa surgiu em St. Jacobs, pequena vila a cerca de 130 quilómetros de Toronto, habitada pelos Menonitas, comunidade constituída por povos oriundos da Suíça, Países Baixos e alguns países do Leste da Europa, cujo estilo de vida tem por base uma forte crença no cristianismo evangélico surgido na mesma época da Reforma Protestante na Europa do século XVI. Quando chegaram a este País, o Governo canadiano tentou persuadi-los a modernizarem a sua forma de vida, principalmente no plano educativo, mas na sua grande maioria recusaram-se e não permitiram que os seus filhos frequentassem as escolas. Mantendo-se alheios ao progresso, recusaram toda a evolução tecnológica, vivendo nas suas fazendas agrícolas e mantendo os seus trajes antigos, os seus hábitos ancestrais, deslocando-se em carroças para transportarem e venderem os produtos oriundos da sua produção na Feira de St. Jacobs. Este local, nessa altura, já era visitado por muita gente e creio que atualmente se transformou numa atração turística, devido à curiosidade que esta comunidade desperta. Na própria vila existia uma rua principal com comércio local, lojas de bricabraque, desde vassouras feitas ao minuto a utensílios de casa, de lavoura e muito mais, num regresso ao passado.
Parte do caminho para Otava (capital do Canadá) foi feito por estrada secundária dentro do Algonquin Park, grande reserva natural com 7600 km2 de extensão, onde habitam diversos animais selvagens como lobos, ursos negros e alces e existiam numerosos parques de campismo, com regras firmes, precisamente pela coabitação com esses animais. Atualmente existe muita oferta turística, com numerosos hotéis e residências particulares em sítios mais protegidos, mas tem de haver cautela nos parques onde se faz turismo em tendas ou bungalows, sendo obrigatório reservar a comida em caixas estanques para os animais não detetarem o cheiro e consequentemente não se aproximarem.
Em Otava é obrigatório visitar o Parlamento e os seus jardins. Dado que o Canadá é um país da Commonwealth, é regido por uma monarquia constitucional, em que o primeiro-ministro canadiano governa, mas o Chefe de Estado é o Rei de Inglaterra (na altura a Rainha Isabel II e agora o Rei Carlos III). A cidade é muito bonita e aqui surgiu a segunda surpresa.
Depois de uma visita pelo centro da cidade, vi um outdoor que publicitava uma pequena reserva dos Índios PAWA. Fiquei curiosa e, procurando saber algo sobre este povo, decidi visitá-la. A entrada era livre e na pequena reserva muito arborizada existiam alguns typpies (pequenas cabanas onde os índios viveram nos seus antigos territórios) não se avistando vivalma, talvez pelo forte calor que se fazia sentir. Percorrendo o terreno que descia até à margem de um rio, encontrei finalmente dois índios, em traje normal, a consertarem uma pequena piroga. Aproximei-me e fiz duas ou três perguntas sobra a sua tribo ao que me responderam que podia saber tudo sobre eles no seu site. Imaginam o meu espanto, por encontrar índios tão atualizados a nível informático, há duas décadas.
Em Montreal, já na Província do Québec onde a língua oficial é o francês, conforme Carta da Língua Francesa aprovada em 1977 e resultante de uma reivindicação dos quebequenses entre outros movimentos ligados à libertação do Québec. Recordei na altura as palavras proferidas pelo General De Gaulle durante a sua visita à EXPO realizada em Montreal em 1967 – Vive le Québec libre – que levaram estes habitantes francófonos a entendê-las como um apoio do General francês ao seu movimento de libertação, causando um conflito diplomático com o Governo do Canadá.
Por último, a visita a Québec City. A sua geografia é muito similar à da Europa, com bairros antigos e muito charme. Na baixa da cidade podemos admirar o bastião dos conquistadores franceses que aqui se instalaram em 1640 – La Place Royale – que nos transmite a sensação de que o tempo parou naquele local. O destaque vai para a Igreja Católica de Notre-Dame des Victoires. Muito perto o Quartier du Petit Champlain, com casas muito pitorescas e respetivo comércio local.
Subindo a colina com vista para o rio S. Lourenço, está situado o hotel «Châteaux de Frontenac» inaugurado em 1893, onde ocorreram duas conferências históricas protagonizadas por Franklin Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos, Winston Churchill, primeiro-ministro inglês e William MacKenzie King, primeiro-ministro canadiano. Durante a primeira, realizada em 1943, foi discutido por estes grandes estadistas, o rumo a traçar para a entrada dos Aliados na 2ª Guerra Mundial, que se concretizou com o desembarque na Normandia, conhecido como o Dia-D, prenunciando a derrota dos alemães. Na segunda, realizada em 1944, foi decidido pelos mesmos protagonistas o lançamento da bomba atómica sobre Hiroxima e Nagasaki. Durante o período em que estas reuniões decorreram, o Hotel não recebeu turistas, mas sim convidados especiais (especialmente militares e suas famílias) que aqui ficaram desfrutando de festas e bailes para disfarçar o secretismo destas conferências.
No final de uma longa viagem de carro por estas duas províncias, mais de 1600 km com o regresso a Toronto e já de volta a Portugal, considerei que esta visita tinha sido muito positiva, pelo que vi, pelo que aprendi e, sobretudo, pelo que até hoje não consegui entender– a evolução dos Indígenas canadianos que atingiram as plataformas digitais versus o atraso na vida dos Menonitas devido à sua forte crença religiosa.