Fumando placidamente um Plátano

Salvador Peres

Talvez lhes agradasse ouvir falar daquele senhor de óculos escuros que fumava placidamente um Plátano no Parque do Bonfim, em Setúbal.
O senhor vestia calças de fazenda acastanhada, que lhe ficavam levemente curtas na perna direita, talvez devido ao facto do cavalheiro se assoar invariavelmente com a mão esquerda. A apertar as calças tinha um cinto cor de alface tenra, com rebordos azeitonados nas extremidades.
Usava uma camisa de pano cru, com quatro machos à frente, dois dos quais, fêmeas. Indecisa entre o infravermelho e o ultravioleta, a camisa emitia sinais em linguagem gestual, através dos bicos em asa do colarinho. Nas costas, abobadadas, abriam-se doze machos perpendiculares aos botões de punho.
Por sobre a camisa nadava uma gravata cor de amora silvestre. A gravata dava duas voltas ao pescoço e, depois de se cruzar largamente nas virilhas, sobrava tecido para
segurar vinte dos dezasseis machos do peitilho da camisa. A cerca de metade do comprimento que ia do colarinho à barriga, tinha a gravata, bem
espetado no pano, um alfinete-de-ama para segurar a gravata à camisa, a camisa à barriga, a barriga às calças e as calças aos machos traseiros, que escoiceavam a dois
palmos das omoplatas. Por sobre tudo isto, tinha, o dito senhor, um sobretudo de lã cor de burro quando foge.
Não tinha mangas nem botões, mas as bandas eram magnéticas e atraíam multidões de átomos de humidade e moléculas de chuva. Também não tinha bolsos, mas as costuras das costas eram feitas de tripa de porco, cozida em sangue de boi e moela de galinha.
Não tinha forro interior nem exterior; tão-pouco bolsos para os pés ou gola para os joelhos. Mas, como as bandas eram magnéticas, podia, rodando os botões de punho,
apanhar programas de rádio em frequência modelada e FM estéreo. Como o sobretudo lhe assentava principescamente, quem ganhava eram as meias cor
de vinho que sobressaíam muito bem no conjunto. As meias corriam a maratona dentro de uns sapatos com atacadores assimétricos: um atacador era preto; o outro, negro escuro. Para se diferenciarem um do outro, um atacador atava à esquerda do que estava à direita e, o outro, atava perpendicularmente ao que estava a sul. Seja como for, e para evitar confusões, cada qual estava no sítio onde faltava o outro.
Como os atacadores eram escuros, os sapatos não eram castanhos, as solas não eram azuis claras, as costuras eram invisíveis e as palmilhas não faziam parte do modelo.
Na cabeça, e acompanhando o último grito da moda, tinha o nosso homem uma cabeleira cinzenta, de cabelo encaracolado e muito farto não se sabe de quê.
Por sobre o cabelo repousava um chapéu sem abas, orelhas ou pala, mas com espaço interior para a cabeça, o cabelo e um terço dos caracóis.
Por sobre o chapéu, e a toda a largura do universo, erguiam-se as frondosas árvores do Parque do Bonfim, uma delas, um Plátano, estava a ser placidamente fumada no preciso momento em que passei por aquele senhor de óculos escuros e um ar intelectualmente de acordo com a gravidade do momento.

 

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