Jacques Tati – O mundo singular do Sr. Hulot

Salvador Peres

A par de Woody Allen, John Cleese (Monty Python’s Flying Circus), Rowan Atkinson (Mr. Bean) ou Benny Hill, Jacques Tati figura no topo das minhas preferências como um dos mais geniais e divertidos comediantes que a televisão e o cinema nos deu a conhecer. No caso de Tati, assim como de Allen, admiração estende-se do cineasta ao actor, duplo papel que ambos desempenharam ao longo da sua carreira.

Jacques Tati entrou na minha órbitra cinéfila pelos anos 90, quando visionei pela primeira vez Há Festa na Aldeia (Jour de Fète), filme produzido em 1948. Foi uma entrada em grande de Jacques Tati no mundo da 7.ª Arte, tendo arrecadado, com esse filme, os prémios de melhor guião e o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1949.

Há Festa na Aldeia foi apenas o começo de uma grande carreira de Jacques Tati como guionista, realizador e actor. Seguiram-se As Férias do Sr. Hulot, (Les Vacances de Monsieur Hulot), 1953; O Meu Tio, (Mon Oncle), 1958; Vida Moderna (Playtime), 1967 e Sim, Sr. Hulot (Trafic), 1971.

Em Julho de 2018, numa viagem realizada à Bretanha e Normandia, visitei, com a família, Saint-Marc-Sur-Mer, a vila e praia onde Jacques Tati realizou o filme As Férias do Sr. Hulot. Lá estava o extenso lençol de areia branca e fina, que bem poderia ser uma das praias estuarinas de Setúbal (Figueirinha, Galápos, Coelhos), onde o Sr. Hulot espalhou peripécias caóticas e hilariantes; o hotel-restaurante, alojamento dos veraneantes, representação da pequena burguesia francesa que na época já tirava férias de praia e onde Hulot enfurecia os comensais com os seus excêntricos e exasperantes hábitos. O filme ganhou vários prémios: Palma de Ouro de Cannes 1953, Prémio Louis-Delluc para o melhor filme de 1953, melhor filme estrangeiro de 1954 da National Board of Review e Óscar da The Academy Awards para o melhor Guião Original.

Se bem que gosto de ver repetidamente todos os filmes de Jacques Tati, dois há que nunca me canso de ver: O Meu Tio e Playtime. Dois soberbos filmes com a marca da genialidade de Tati. Em O Meu Tio, uma comédia onde paira a habitual inadequação do Sr. Hulot às coisas mundanas, Tati coloca em confronto dois tempos, dois mundos e duas maneiras radicalmente opostas de o percepcionar e o habitar.  Em Cannes, arrebatou o Grande Prémio do Júri 1958; nos EUA, o Óscar para o melhor filme em língua estrangeira 1959 e a Medalha de Ouro da La Federazione Italiana del Circolo del Cinema 1958.

Deixei para o fim aquele que é considerado a sua obra-prima: Playtime. Uma multidão de turistas norte-americanos, sobretudo mulheres de meia-idade, invade uma Paris onde impera o brilho ofuscante da modernidade. O Sr. Hulot irrompe, perdido, pelos cenários impressionantes de um imenso aeroporto, prédios de escritórios dantescos, uma feira internacional com o último grito da tecnologia e da invenção humana, por bairros de apartamentos construídos com os mais avançados materiais de construção e vai desaguar na inauguração do restaurante mais moderno e caótico que se possa imaginar. Nunca se chega a saber o que faz o Sr. Hulot no meio daquela estonteante modernidade. Ele voga ao sabor de uma corrente imparável que o leva de um lugar a outro numa sequência de geniais situações absurdas, bizarras, cómicas. O filme teve um custo astronómico, mas foi um desastre de bilheteira, tendo conduzido Tati à bancarrota.

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