Salvador Peres
O que une Paris e Varsóvia? Une-as, para dar sentido a esta crónica, o facto de as ter visitado e nelas ter vivido momentos únicos e memoráveis. A exuberante e romântica Paris e a heroica e fascinante Varsóvia, a “Paris do Norte”. Num roteiro inesquecível, viajei até à Polónia. Primeiro, com base na esplêndida cidade de Cracóvia, visitei os tristemente célebres campos de extermínio de Auschwitz-Birkenau, lugares palco do inenarrável e do indizível; depois, já em Varsóvia, fui em busca dos vestígios que ainda restam do que foi o maior gueto judeu. O Gueto de Varsóvia foi criado pelos nazis em 16 de Outubro de 1940, após a ocupação alemã da Polónia, em 1939.
Une também estas cidades um dos filmes da minha vida: “Blanc”, o segundo filme da Trilogia das Cores do realizador polaco Krzysztof Kieślowski (Varsóvia, 27 de Junho de 1941 – Varsóvia, 13 de Março de 1996). A Trilogia, baseada nas três cores da bandeira francesa e nas três palavras símbolo da Revolução Francesa, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, é composta pelos filmes “Bleu”, realizado em 1993, seguido de “Blanc” e “Rouge”, ambos realizados em 1994.
Em “Blanc”, Krzysztof Kieślowski conta a história de um emigrante polaco, Karol Karol (Zbigniew Zamachowski), que vive em Paris e é casado com uma jovem francesa, bela e frívola, Dominique (Julie Delpy). Dominique decide separar-se dele, humilhando-o em tribunal, numa demanda judicial em que o acusa de impotência e incapacidade de concretizar o casamento no plano sexual. Karol Karol vê-se perdido numa cidade que, de repente, se lhe torna estranha e hostil. Sem dinheiro e emprego, acaba a mendigar no Metro. Lá, conhece um conterrâneo, Mikolaj (Janusz Gajos) que lhe faz uma estranha proposta: levá-lo de volta a Varsóvia em troca do assassinato de uma pessoa que Mikolaj indicará logo cheguem à Polónia. Karol Karol, desesperado, aceita. Depois de chegar a Varsóvia, numa sociedade a viver a ressaca do fim da URSS, Karol Karol entra no sub-mundo do crime e enriquece. E decide vingar-se da ex-mulher, que ama desesperadamente, mas que não consegue perdoar.
“Blanc” é um filme a que voltamos uma e outra vez. E de cada vez descobrimos coisas novas. Krzysztof Kieślowski deixa-nos presos à narrativa, levando-nos numa viagem extraordinária, alternando momentos risíveis e dramáticos, com personagens intensas, numa sequência cheia de ritmo, emoção e imprevisto.
A concurso no Festival de Berlim 1994, “Blanc” recebeu o Urso de Prata (melhor realizador) e o Urso de Ouro (melhor filme).