Salvador Peres
Por uma estrada verdejante e sinuosa, que sai de Setúbal num percurso desenhado na vizinhança do rio, segue-se em direcção ao maciço da Arrábida. Logo depois de se transpor a Comenda e depois de se subir a ligeira encosta acima da Fortaleza do Outão, deparamos com o quadro espantoso do areal da Praia da Figueirinha, que se espraia na encosta da Serra, num contraste dourado com as águas de um azul profundo do Atlântico.
A maré, na vazante, põe a descoberto uma extensa língua de areia que sai da Figueirinha e se estende, mar adentro, na direcção das praias de Galapos, Coelhos e Portinho. Está uma manhã de Primavera e vive-se o sossego da época pré-balnear. Na praia quase deserta, ouve-se o rumor da maré que vem esmorecer, numa plácida ondulação, no macio areal da praia.
Caminhando pelo istmo desenhado pela maré, costas voltadas para o mar, acolhe-nos a majestosa e imponente cordilheira da Serra, que nos abraça, numa vasta baía, desde a Fortaleza do Outão, até lá longe, onde a vista alcança, perto de outra Fortaleza, a de Santa Maria da Arrábida. A meia encosta da Serra, acima de Alpertuche, a paisagem é salpicada pelas capelas e guaritas do Convento Velho. Numa elevação anterior, adivinha-se o casario branco do Conventinho.
No caminho de areia que o mar esculpiu, foge-nos o pensamento para tempos muito antigos, quando a Serra foi morada do primeiro eremita, Frei Martinho de Santa Maria, que em 1539 rumou à Arrábida. E para Frei Agostinho da Cruz, o grande poeta-eremita, que em 1605 seguiu o mesmo caminho.
A Serra, hoje, mercê dos caprichos do tempo e da mão nem sempre benfazeja do Homem, já não é o lugar de recolhimento e silêncio de outrora. Mas, ainda assim, ainda nos vai mostrando, em dias como o de hoje, um resquício do seu mistério e esplendor.