Salvador Peres
Após 11 meses a aborrecerem-se mortalmente em casa e no emprego, os urbanitas sentem uma necessidade irreprimível de mudança e vão aborrecer-se mortalmente para outras paragens. É assim que começa a saga do extraordinário livro de banda desenhada A Agência de Viagens Lemming, de José Carlos Fernandes.
O autor já entrara definitivamente nas minhas leituras com os volumes 1 e 2 de A Pior Banda do Mundo, uma obra notável de humor e um soberbo tratado sobre a condição humana, divertido, estanho e filosófico, marcado por uma profunda ironia.
Em A Agência de Viagens Lemming, José Carlos Fernandes leva-nos numa viagem extraordinária por destinos paradoxais e exóticos, só aparentemente falhos de lógica e sentido. Na sua estranheza, por mais absurdos e implausíveis que se apresentem, os destinos de férias que nos propõe acabam por nos ser muito próximos e reconhecíveis. Com um guião que aparenta levar-nos pelos trilhos da irrelevância, José Carlos Fernandes constrói um extraordinário universo paralelo, um lugar no outro lado do espelho, que desnuda a frágil condição humana e expõe a realidade fútil, trivial e sensaborona do homem comum.
Em A Agência de Viagens Lemming, o Sr. Zoldft tenta avaliar quão longe o poderá levar o seu subsídio de férias como Arquivista na Secretaria de Estado da Procrastinação e recorre à Agência de Viagens Lemming. Lá, é recebido pelo persuasivo dono da agência, que o leva, por uma sucessão interminável de sugestões de viagens, para lugares absolutamente incríveis: o Museu de Cera de Pessoas Banais; Kwinz, a cidade-cemitério; Zamith e os urinóis públicos; Manzil ou a apoteose do não-lugar; Gallupi e os depósitos de estátuas apeadas; Dúlia e a banalidade; Baltováquia: atracções prisionais; Museu da Sandália e Museu da Cárie Dentária; as Ilhas Golliwog e Zarqawistão…
Pelo caminho faz o Elogio do turista amnésico, apresenta os Hinos nacionais de todo o mundo, aconselha o turismo nuclear, apresenta as novas pompeias e dá conselhos para a bagagem extraviada.
A Agência de Viagens Lemming foi publicado, em 2005, em tiras semanais no suplemento de férias do Diário de Notícias. As histórias foram reunidas em duas secções: Dez mil horas de Jet Lag e O Síndrome da Classe Turística. A sua primeira edição aconteceu em Espanha, em 2011, pela editora Astiberri. Só mais tarde, em 2014, seria publicado em Portugal pela Edições Devir.
José Carlos Fernandes nasceu em Loulé, a 16 de outubro de 1964. É Engenheiro do ambiente, ilustrador e autor de banda desenhada. Licenciou-se em Engenharia do Ambiente e foi assistente de Botânica na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Entre 1989 e 1999, trabalhou como técnico do Parque Natural da Ria Formosa. Aos 25 anos de idade, sem possuir qualquer formação artística, decidiu começar a desenhar. De acordo com o autor, A Agência de Viagens Lemming bebe as suas referências em escritores como Joseph Conrad, Bruce Chatwin ou Luís Sepúlveda.