A Central Termoelétrica de Setúbal, uma memória?

A Central de Setúbal nasceu, cresceu e morreu (1979-2012). Chegou a ser o maior centro produtor de energia elétrica do país, sinal do crescimento e desenvolvimento sentido e vivido neste pequeno País que ajudou a mudar o mundo na época dos Descobrimentos e do Tratado de Tordesilhas.

A Central térmica de Setúbal respondeu literalmente e emocionalmente à lei que “nada se perde, tudo se transforma” e, assim foi. De monstro volumoso, esteticamente belo, forte, robusto e poderoso, a pequenos grãos de areia fruto da sua demolição e sem os trabalhadores que lhe deram vida e muita entalpia.

Mesa de comando de um grupo

Se em termos físicos isso é bem visível, já em termos emocionais, isso fica a cargo de cada um, dos que viam as chaminés à distância, como farol dos seus dias, das suas vidas, até dos seus humores, dos que, vivendo mais próximos, ouviam os seus estranhos e agora saudosos ruídos que, associados às outras vidas que a central lhes proporcionou, agora sentem reforçar as saudades que nunca imaginaram ter por um sítio daqueles. E, finalmente, dos que que lá trabalharam, viveram, cresceram, sentiram e foram embora.

Ficou a memória de cada um para lembrar o que aquilo era. O que é que lá aconteceu? O que se fazia? Que organização era aquela que fazia eletricidade com fuel, água e pessoas? Que impactos teve este enorme barco parado na vida dos trabalhadores, das famílias, dos amigos, das pessoas que a conheceram por perto e mais longe?

Porque raio, tudo o que é grande também cai e se fina? Sinais dos impérios que também fomos? E, no final, o que fica? Um espaço vazio ou quase e, pessoas amarguradas e saudosas de tempos que já não voltam.

É o nosso fado, o fado da desgraça, do amor cantado, da saudade permanente. E da esperança, da alegria e da recomposição, mas isso, é mais difícil de acontecer e de se viver. As idades não ajudam, os gostos mudam, até a eletricidade é diferente, renovável, solarenga e ventosa, até ao que a imaginação entenda.

Vista da central térmica de nascente para poente, com a Arrábida e Tróia ao fundo

Mas é preciso mais. E gente trabalhadora que não se conforma com a desgraça nem com a tristeza, tinha que fazer alguma coisa. Nada de novo, pois já tivemos a experiência dos 5 almoços térmicos onde nos fomos reencontrando e entranhando a mudança de vida não escolhida, mas vivida. E o que acontece, é mover o que se pode e por em marcha algo mais que fique para o futuro, em memórias de vida, que todos os vindouros irão reconhecer como úteis.

É a lei já dita, transformamos os nossos trabalhos, as nossas convivialidades, as nossas experiências materiais e imateriais que se transformam em letras e imagens memoráveis, saudosas e educadoras. E assim combatemos a tão temida morte e fim anunciado, somos milagreiros e fazemos o milagre de reviver o passado que a todos nos honra e enriqueceu.

O nevoeiro sobre Setúbal e as chaminés da Central térmica a fumegar

A turbina de Baixa Pressão a ser retirada para manutenção

Perante o dilema criado e após alguns almoços reflexivos, concluímos que era necessário avançar com um projeto que tratasse a História da Central Termoelétrica de Setúbal. E, assim, surgiu a ideia de relatar a história da central com entrevistas, fotos, vídeos e timeline sobre a vida da central e sobre quem lá trabalhou durante este período. Como já foi dito, a central teve impactos noutras pessoas e, por isso, a ideia de fazer também a ligação com a vida social e política na altura do seu nascimento; do seu crescimento e do seu desmantelamento, com o objetivo principal de criar um registo histórico e de memória dos trabalhadores que nela laboraram. E, por isto tudo, envolvemos outras pessoas e parceiros para nos ajudarem a trabalhar nas seguintes ações:

  • Criação de um Documentário em vídeo de até 18 minutos com testemunhos;
  • Recolha de imagem (Setúbal no local da localização da central);
  • Recolha de material e imagens existentes sobre a central e os seus funcionários e responsáveis, sobre a evolução da mesma e de tudo o que envolveu os 37 anos de existência;
  • Recolha de testemunhos – até 40 pessoas;
  • Captação de imagem;
  • Criação gráfica;
  • Recolha e trabalho de melhoramento de fotos e vídeos antigos;
  • Voz off;
  • Redação de guião;
  • Conceção/realização do Documentário.

Com tudo isto, vamos fazer um livro, um documentário em filme e uma exposição num local público em Setúbal.

E assim, ao realimentar o nosso sistema de memórias, voltamos um pouco ao ativo e damos vida ao que parecia ter morrido, de forma que todos sem exceção se sintam melhores e mais felizes com a vida passada e com o que irão passar aos vindouros.

A implosão e derrube das chaminés

Colaboram neste projeto: EDP Produção, AREP, Clube Pessoal EDP, Câmara Municipal de Setúbal, Junta de Freguesia do Sado, FDC – Consulting Unipessoal, LDA.

Autor do texto António Cardoso Lopes, em acordo com a equipa de trabalho do projeto.

Setúbal, 22 de janeiro de 2024

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