Alguma vez saberemos?

Salvador Peres

Qual dos dois somos quando nos olhamos num espelho: o ser sentido que olha ou o ser reflectido que é olhado? Do lado de lá há somente uma imagem devolvida ou um outro ente que vê e sente? Há um pensamento que parece inútil, e talvez o seja, que me acode ao espírito quando me olho num espelho: o mundo que vemos acontecer lá fora existe mesmo ou é fruto de uma construção do nosso cérebro? Aquilo a que chamamos realidade existirá para além de nós?

Algumas correntes filosóficas afirmam que a realidade não faz sentido sem que exista alguém para a observar. Que as árvores, as montanhas, os rios e o céu só existem porque existe um ser capaz de os percepcionar, de os compreender. Que sentido, defendem, tem uma flor se não houver alguém que aprecie a forma e a cor e lhe sinta o aroma? Que sentido tem o mundo, o universo, sem nós?

A existência, para além de nós, é um completo mistério. Enigma que se soma ao profundo desconhecimento que temos sobre nós próprios. As nossas sinapses cerebrais trabalham, desde que nascemos, para nos ligar ao todo. Mas, como no Mito de Sísifo, parecemos condenados a empurrar uma pedra até ao cimo de um monte, caindo a pedra depois montanha abaixo sempre que atingimos o topo, num processo repetido até à eternidade. Como no Mito de Sísifo, a nossa vida desenrola-se em circuito fechado, num eterno retorno, de nós para nós, sem nunca almejarmos saber quem está no outro lado do espelho.

Qual dos dois somos quando nos vemos reflectidos nas águas límpidas de um rio: o ser sentido que olha ou a imagem que nos é devolvida? Quem já não se quedou tentando descortinar o significado da imagem que lhe é restituída? Aquele que olha para a superfície das águas e o reflexo que de lá nos chega são uma mesma entidade? Alguma vez saberemos?

 

 

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top