O bem passou de moda

Salvador Peres

A Caixa de Pandora já estava entreaberta. Os males que, desde que há memória, assolavam os homens, a doença, a guerra, a velhice, a mentira, os roubos, o ódio, o ciúme, há muito sobrevoavam o mundo. Não eram novidade nas meditações de pensadores e filósofos, nem surpresa nas vivências das gentes comuns. O mal, como uma segunda pele, viveu sempre colado ao género humano. É-lhe intrínseco, na medida em que brota dele. Fomos, ao longo da história da humanidade, aprendendo a viver com o mal, tentando moldá-lo, suavizá-lo, controlá-lo… Para lhe fazer frente, inventámos o bem, na esperança de que, opondo-se convicta e frontalmente a ele, acabaria por, não digo vencê-lo, mas, pelo menos, apaziguá-lo. A história do homem é muito marcada por esta luta contra o mal, que joga um jogo de enganos com a humanidade, umas vezes parecendo uma entidade estranha, que nos assalta do exterior, outras, uma criatura criada por nós, que vive em nós. Mas o bem passou de moda. Ser bom, hoje, é ser fraco. Agora, tal como Pandora, assustados com esta Caixa de onde se libertam todos os males, tentámos fechá-la, colocando-lhe de novo a tampa. Tarde demais. O mal fugiu-nos entre os dedos, entranhando-se nas modernas formas de comunicação e expressão criadas pelas redes sociais. Ele, agora, imaterial e incontrolável, corre ali, submergindo a humanidade num tsunami de ódio, raiva e intolerância. Talvez a humanidade, confrontada com este vírus que a corrói por dentro, volte um dia a dar uma nova oportunidade ao bem. Talvez…

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