Como gerir a reforma com prudência

A reforma representa uma fase crítica da vida financeira de qualquer indivíduo, exigindo um planeamento rigoroso para assegurar a sustentabilidade económica ao longo dos anos. Com a redução do rendimento mensal, decorrente da passagem da vida ativa para a condição de reformado, torna-se fundamental a adoção de estratégias que permitam a otimização dos recursos disponíveis e a gestão eficiente do património acumulado.

O cenário da reforma 

Em Portugal, o número total de pensionistas ultrapassou pela primeira vez os 3 milhões em 2023, abrangendo pensões de velhice, invalidez e sobrevivência. Desse total, cerca de 2,1 milhões correspondem a pensões de velhice, refletindo o envelhecimento da população e o aumento da esperança de vida. No mesmo ano, a Caixa Geral de Aposentações (CGA), que gere as pensões dos funcionários públicos, registou 22.681 novos reformados, o número mais elevado dos últimos dez anos.
Estes dados evidenciam a crescente pressão sobre o sistema de segurança social, tornando essencial a implementação de políticas sustentáveis para garantir a sua viabilidade a longo prazo.

O poder de um plano financeiro

A elaboração de um plano financeiro é essencial para garantir a estabilidade económica ao longo da reforma. A identificação exata das fontes de rendimento, incluindo pensões, rendimentos de capitais e eventuais rendas de imóveis, permite determinar a capacidade financeira real do reformado. Paralelamente, a definição detalhada das despesas fixas e variáveis possibilita a estruturação de um orçamento ajustado à nova realidade económica.

A gestão do orçamento exige um controlo rigoroso das despesas, evitando gastos desnecessários e garantindo a alocação eficiente dos recursos. A renegociação de contratos de serviços, como eletricidade, água, telecomunicações e seguros, pode representar uma redução significativa dos encargos mensais. A constituição de um fundo de emergência, destinado a cobrir despesas imprevistas, constitui uma medida prudente para assegurar a estabilidade financeira e evitar a necessidade de recorrer a crédito.

Complemento da pensão

A diversificação das fontes de rendimento é uma estratégia eficaz para mitigar o impacto da redução do rendimento decorrente da reforma. A adesão a Planos de Poupança Reforma constitui uma solução viável, permitindo acumular capital ao longo dos anos e beneficiar de incentivos fiscais. A rentabilização do património imobiliário, através do arrendamento de imóveis, representa outra alternativa viável, sendo necessário avaliar os custos de manutenção e a tributação aplicável a este tipo de rendimento.

O investimento em produtos financeiros deve ser conduzido de forma cautelosa, considerando o perfil de risco do reformado e a necessidade de liquidez a curto e médio prazo. A diversificação da carteira de investimentos, combinando ativos de baixo risco, como obrigações, com produtos de rendimento variável, pode otimizar a rentabilidade sem comprometer a segurança financeira.

Otimização fiscal e benefícios

A carga fiscal sobre os rendimentos dos reformados pode ser atenuada através do aproveitamento dos benefícios fiscais previstos na legislação portuguesa. A isenção parcial de IRS aplicável a determinadas fontes de rendimento e a possibilidade de dedução de despesas de saúde e habitação são mecanismos que podem contribuir para uma maior disponibilidade financeira. A análise detalhada da situação fiscal e a consulta a um profissional especializado são fundamentais para garantir a conformidade fiscal e a maximização das oportunidades de redução da carga tributária.

Estratégias para rentabilizar e transmitir património

A gestão do património assume um papel determinante na estabilidade financeira durante a reforma. A avaliação dos ativos disponíveis, incluindo imóveis, aplicações financeiras e outros bens, permite definir uma estratégia de rentabilização adequada às necessidades do reformado. A alienação de bens de elevado custo de manutenção pode ser uma solução para gerar liquidez e reduzir encargos recorrentes.

A planificação sucessória constitui um elemento essencial da gestão patrimonial, assegurando que a distribuição dos bens ocorre de acordo com a vontade do titular e minimizando potenciais conflitos entre herdeiros. A elaboração de um testamento e a consideração de instrumentos como doações e seguros de vida podem facilitar a transmissão do património de forma estruturada e fiscalmente eficiente.

Proteção e segurança financeira

A vulnerabilidade financeira dos reformados torna-os um alvo frequente de esquemas fraudulentos e práticas comerciais abusivas. A adoção de medidas preventivas, como a verificação rigorosa de propostas de investimento e a consulta a profissionais de confiança antes da celebração de contratos, é essencial para evitar perdas patrimoniais.
A contratação de seguros de saúde e de vida adequados ao perfil e necessidades do reformado constitui um elemento fundamental na estratégia de proteção financeira. A cobertura de despesas médicas imprevistas e a garantia de um capital adicional para os beneficiários em caso de falecimento proporcionam uma maior tranquilidade e segurança.

Literacia financeira na terceira idade

Num contexto de crescente complexidade financeira, a literacia financeira assume um papel crucial na vida dos reformados. A capacidade de compreender conceitos básicos de finanças pessoais, interpretar contratos e tomar decisões informadas sobre poupanças,
investimentos e despesas é um fator determinante para a manutenção da autonomia e da segurança económica nesta fase da vida.

Embora a literacia financeira deva ser promovida ao longo de toda a vida, o seu impacto torna-se particularmente evidente na terceira idade. A reforma marca frequentemente uma transição de um rendimento regular e previsível para uma situação de maior incerteza e necessidade de gestão criteriosa dos recursos disponíveis. No entanto, muitos reformados em Portugal enfrentam desafios significativos nesta área, quer por falta de formação específica, quer por dificuldade em adaptar-se à evolução digital e à complexidade crescente dos produtos financeiros.

Riscos associados à iliteracia

A falta de literacia financeira pode resultar em decisões precipitadas ou mal informadas que comprometem a estabilidade económica dos reformados. A adesão a produtos financeiros inadequados ao perfil de risco, o endividamento excessivo ou a incapacidade de planear despesas de longo prazo são consequências frequentes. Além disso, a baixa literacia torna os reformados mais vulneráveis a fraudes financeiras e práticas abusivas, um problema crescente numa população que muitas vezes deposita demasiada confiança em interlocutores pouco credenciados. A iliteracia financeira também pode contribuir para um sentimento de insegurança e ansiedade, agravando o isolamento social e a dependência de terceiros.
A autonomia na gestão das finanças é, por isso, não apenas uma questão de equilíbrio económico, mas também de dignidade e qualidade de vida.

Estratégias para educação financeira

Dado o impacto direto na gestão do património e no bem-estar dos reformados, torna-se urgente apostar em programas de educação financeira acessíveis e adaptados à terceira idade. A criação de iniciativas promovidas por instituições públicas, associações de reformados e bancos, com linguagem clara e exemplos práticos, pode fazer a diferença na vida de milhares de pessoas. Entre os temas mais relevantes a abordar nestas ações estão: o planeamento do orçamento familiar, a leitura de extratos bancários, os direitos do consumidor, os cuidados a ter com contratos de crédito, o funcionamento de produtos como PPRs ou certificados de aforro, e a utilização segura dos serviços bancários digitais. É igualmente importante que os reformados tenham acesso facilitado a aconselhamento financeiro isento e de confiança. A criação de gabinetes de apoio ao consumidor sénior, a nível local ou através de parcerias com juntas de freguesia e centros de dia, poderia ser uma medida eficaz e de grande alcance social.

O papel da família e da comunidade

A promoção da literacia financeira não é uma tarefa exclusiva das instituições. As famílias e comunidades desempenham um papel fundamental no apoio aos reformados, seja através da partilha de conhecimentos, da ajuda na leitura de documentos, ou do simples acompanhamento em decisões importantes. Fomentar um ambiente de confiança e diálogo intergeracional pode ajudar a prevenir erros, promover a inclusão digital e reforçar a autoestima dos mais velhos. Pequenos gestos, como ensinar a usar o homebanking ou esclarecer dúvidas sobre cartões bancários, contribuem para uma maior autonomia financeira. Para além da gestão financeira e da literacia, há também aspetos legais e familiares que devem ser considerados desde o início da reforma. É nesta perspetiva que se inserem as questões associadas à pensão de sobrevivência e à sucessão patrimonial.

Pensões de sobrevivência: proteger quem fica

Uma das preocupações centrais no planeamento da reforma é garantir a segurança financeira dos entes queridos após a morte do reformado. Neste contexto, destaca-se o direito à pensão de sobrevivência, atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge em determinadas condições.

Em Portugal, o cônjuge sobrevivo tem direito a receber 60% do valor da pensão de velhice ou invalidez do falecido. Este valor pode ser majorado caso existam filhos menores, estudantes ou com deficiência a cargo. Importa sublinhar que este direito não é automático — é necessário requerer a pensão junto da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações, conforme o regime aplicável, apresentando a documentação necessária.

Além do cônjuge atual, o ex-cônjuge com direito a pensão de alimentos decretada por sentença judicial também poderá ter direito a uma parte da pensão de sobrevivência. Nestes casos, o montante total (os 60%) é dividido proporcionalmente entre os beneficiários, de acordo com os critérios estabelecidos pela entidade gestora da pensão.

Este aspeto ganha especial relevância quando existem segundos casamentos, pois o falecimento do reformado pode originar múltiplos pedidos de pensão de sobrevivência por parte de diferentes beneficiários. Nestes contextos, torna-se ainda mais fundamental que exista documentação legal clara, como certidões de divórcio e decisões judiciais sobre pensões de alimentos.

Questões legais e emocionais nos segundos casamentos

Com o aumento da esperança de vida, é cada vez mais comum que pessoas reformadas voltem a casar ou a estabelecer novas uniões de facto. Estas situações, apesar de socialmente naturais e legítimas, podem ter implicações relevantes do ponto de vista patrimonial e sucessório.

No caso de um segundo casamento, o novo cônjuge pode adquirir automaticamente a qualidade de herdeiro legítimo e o direito à pensão de sobrevivência, o que pode afetar os direitos dos filhos do primeiro casamento ou do ex-cônjuge. Para evitar conflitos futuros, é aconselhável ponderar a elaboração de um testamento atualizado e considerar a separação de bens como regime matrimonial, quando aplicável.

Também é possível celebrar acordos pré-nupciais ou pactos antenupciais que definam de forma clara a gestão e partilha de património, tanto durante o casamento como em caso de falecimento. No caso das uniões de facto, é necessário um mínimo de dois anos de coabitação para efeitos de acesso à pensão de sobrevivência, sendo fundamental manter provas documentais dessa convivência.

A legislação procura equilibrar os direitos de todos os envolvidos, mas situações de tensão familiar podem surgir. Assim, o diálogo aberto entre os membros da família e o apoio de um consultor jurídico ou notarial podem evitar conflitos futuros e promover soluções justas.

Planear com consciência

A reforma é, acima de tudo, uma fase de redescoberta. Mas para que essa liberdade seja plena, é necessário um planeamento financeiro e patrimonial sólido, que vá além das despesas imediatas e abarque também os impactos futuros sobre quem nos rodeia.
Compreender os direitos associados à pensão de sobrevivência, antecipar os efeitos de segundos casamentos ou de obrigações com ex-cônjuges, e garantir uma sucessão pacífica do património não são apenas medidas de prudência — são gestos de cuidado e responsabilidade.

A AREP continua ao lado dos seus associados, promovendo o esclarecimento sobre estes temas e fomentando uma cultura de prevenção e autonomia. Porque viver a reforma com tranquilidade é também saber que os que amamos estarão protegidos, mesmo quando já não estivermos presentes. Preparar o futuro é também a melhor forma de cuidar do presente — e de quem nos é mais próximo.

 

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