“Um lugar de que gosto”…Serra da Estrela

Serra da Estrela

Sou avesso a citar-me, por modéstia e feitio, até porque não haverá razões para isso, mas convém-me, a propósito deste tema, abrir uma exceção. Pois, citando-me a mim próprio, ou, melhor dizendo, repetindo-me, escrevi em tempos que “sou natural de todos os lugares onde vivi ou calcorreei” e de todos “onde gostaria de ter ido”, para além da minha terra natal. Havendo tantos, eleger um apenas não é fácil, já que gosto de muitos, uns mais presentes no meu dia a dia e frescos na memória, outros mais afastados e envoltos nas brumas do passado.

Sem prejuízo de outros lugares, arrisco um, afinal: a Serra da Estrela, nas faldas da qual repousa a aldeia onde nasci e de que, cedo, parti seguindo curso do Tejo que, no meu afeto, rivaliza com a Estrela.

Gosto desde logo do nome, que não sei quem lho deu, que nos eleva, induz o mistério, faz-nos imaginar tempos remotos e convida ao sonho. Depois, é a grandiosidade ímpar das paisagens e das montanhas, as esculturas modeladas no granito pelos anos e pela Natureza, simulando figuras, os frescos regatos deambulando, cantarolantes, pelos declives. Subir à Serra, percorrer as suas veredas, é também respirar ar puro aromatizado pelo cheiro dos carvalhos e dos pinheiros, das urzes e das giestas, que a coloram, e estender a vista até onde pode alcançar. Ali um caminho, acolá uma lagoa, lá ao longe um povoado. E é também estar mais perto do céu, onde falcões, águias e cegonhas vêm encenar, por vezes, as suas coreografias que os rebanhos chocalhantes de ovelhas e cabras parecem ignorar. A Serra transmite ainda uma sensação inebriante de liberdade, harmonia e paz e de amor e respeito pela Natureza.  Lá do alto, passando vagarosas, em tempos de acalmia, até as nuvens parecem gostar do que veem.

Mas no inverno, tudo se altera: a Serra substitui as suas cores pelo branco da neve, proíbe incursões e afasta o pastoreio, a neblina esconde a paisagem e limita o olhar, o frio aconselha agasalhos. A beleza é agora de outra natureza. Dir-se-ia que a Estrela é acometida, neste período, da nostalgia dos tempos longínquos dos seus vales glaciares de há mais de 20 mil anos.

Tudo isto me faz identificar com uma inspirada frase de Somerset Maughan, que guardei para a vida, e de que cito uma parte: “(…) os homens não são somente eles, são também a região onde nasceram, a quinta ou casa da cidade onde aprenderam a andar (…).

José Rogeiro

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